20070713

on set

a uma dada hora o tédio vence os limites. nem as conversas com as pessoas ao lado, todas novas e também tão sozinhas, distraem a impaciência de quem acordou às cinco, quatro da manhã só para estar pontualmente às sete no edifício ondulado que possui uma sociedade própria - os copanenses não têm de pisar na rua nem para emergências podológicas.
mas as galerias criam uma corrente de ar que percorre às voltas todos os corredores, e as cadeiras de plástico foram se amontoando num beco onde não havia silvos nos ouvidos. entre dormidelas, cochilos e roncos seguidos de um despertar assustado, só eu me recusei a sequer fechar os olhos por mais de dois segundos para sentir que estava realmente precisando de sono. ao invés disso, puxei uma folha, um lápis 2b, uma caneta esferográfica preta pilot 0.5 e uma lapiseira infantil de pontas coloridas. ela encostada ali era uma daquelas que não se sabe se é demasiado nova ou demasiado velha, e dormia tão tranquila...






disse a ela que não podia dá-lo porque ia usar na faculdade, mas era só o ciuminho com tudo o que faço para mim. ela estava dormindo...
ao fim das filmagens, pediu-me se podia pegar outra vez o desenho. só para mostrar ao pai. abri minha mochila contente por ver que ela tinha mesmo gostado. pegou a folha, olhou ainda um instante e virou ao pai.

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e ele respondeu:
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oh deus, são alemães!

acho que se não tivesse mudado de idéias e oferecido-lhe o desenho, ia sentir um mal estar e qualquer coisa incompleta toda vez que olhasse para ela, dormindo encolhida em seu casaco vermelho desbotado, os cabelos de ouro cinzento caindo pelos ombros, o rosto sereno e os olhos fechados que na hora não havia como ter percebido serem tão azuis. talvez nunca mais a veja, mas ela, ao menos, sempre que encontrar por acaso o pedaço de sulfite vai-se lembrar de que alguém a viu - e encantou-se.





(ha é, como foi? sussa. minissérie de treze capítulos, alice - nome provisório, sim, inspirado em alice no país das maravilhas, quem diria?, mas com uma história urbana e caótica. vai ao ar ano que vem pela hbo, o que filmamos foi o piloto. diverti-me o dia inteiro com os novos colegas feitos na hora, e dois deles não só sabem quem são os mars volta como foram ao show de 2004. malditos. figurante é meio como um rebanho, a pastora indica-nos o caminho, os cães nos cercam, latem e botam uma pressão, fala mais baixo! sai daí, idiota, vai aparecer no quadro! fiz duas brilhantes atuações, uma em que paro e vejo a vitrine do brechó, e outra em que acendo/fumo/fumo/apago o cigarro - foram quatro takes, não sei qual vão usar. e que acabou por ser o menos relevante das doze horas que passei com o pessoal da produção: os setenta reais de cachê. quase que fui-me embora sem receber, juro. mas claro que fiquei feliz com o dinheiro, e saí de rolê com os amigos logo depois pra já gastar uma cota.)