20080919

[interrupção quotidiana -

pela manhã é frio, então lá vão-se as mulheres de botas e os homens de suéter, alguns parados no ponto de ônibus e dificultando o trânsito da calçada, outros que atravessam a avenida num respiro curtíssimo, perigoso, sem cerimônias. outros, ainda, fecham-se nos fones, se calhar para fingir que o que está à volta é só uma pantomima, uma representação inofensiva do caos, sem relação nenhuma consigo. há vantagens e desvantagens em ter-se um sentido vedado. o dia começa oficialmente com os bons-dias ao porteiro, dentre cafés, bolos e cigarros nas ruas, homenzinho vermelho, outro, mais outro, e depois um verde, a esquina que abre o mundo para a Paulista, metrô - fluxo contrário da maré, o bafo humano que sobe dos vagões, todos tiram os casacos e cachecóis.
martelam-se a cada estação, a CADA estação

OS ASSENTOS DE COR CINZA SÃO DE USO PREFERENCIAL, POR FAVOR, RESPEITE ESTE DIREITO.
(próxima estação, Paraíso, acesso à linha um, azul)
SE NÃO VAI DESEMBARCAR NA PRÓXIMA ESTAÇÃO, FIQUE LONGE DAS PORTAS. UTILIZE O CORREDOR.(QUEM FICA NA PORTA ATRAPALHA A VIDA DOS OUTROS.)
(próxima estação, Ana Rosa, acesso à linha um, azul)
MANTENHA AS MOCHILAS NAS MÃOS PARA NÃO ATRAPALHAR OS DEMAIS USUÁRIOS.
(próxima estação, Chácara Klabin)
NÃO SEGURE AS PORTAS. SETENTA POR CENTO DOS ATRASOS DO METRÔ ACONTECEM PORQUE... AS PESSOAS SEGURAM AS PORTAS.
(próxima estação, Imigrantes)


(...),

e coisas do gênero que ninguém faz. há também o aviso para tomar cuidado com bolsas & sacolas; pérolas do terceiro mundo. até se faz um esforço para ler, algumas vezes com sucesso. no dia em que até o condutor está de saco cheio manda um "NUM FIQUE PERTO DAS PORTA", com uma recaída nervosa de sotaque interiorano. ao chegar na terminal Alto do Ipiranga, pessoas espertas (como eu) decoram o vagão que pára mais perto da saída e conseguem adiantar-se, mas nem sempre dá certo: assim que as portas abrem os impacientes da plataforma vêm entrando em massa, sem deixar ninguém sair, como se o trem não fosse ficar lá por mais um minuto (olá, é estação terminal!). passa-se, então, ao momento Escada Rolante.
não há jeito – sempre vai haver um caipira ou sem noção ou filho da puta que pára do lado esquerdo e fica admirando as luzes. os apressados, que vêm subindo os degraus, estacam abruptamente atrás do indivíduo que está lá pensando como a estação é grande e bonita, não costuma ir muito para aqueles lados, ouviram do Ipiranga as margens plácidas..., a independência que aconteceu ali... o Ipiranga! logo atrás, como ele ainda não se tocou de que estou querendo passar?, pois também EU não vou dizer nada, ele que perceba o incômodo que é para a sociedade. e aí juntam-se três, quatro, cinco, agora bufantes, praguejantes silenciosos, com a esperança de que o número crescente deles irá causar algum tipo de impacto na pessoa que está ali tranquila parada do lado esquerdo, as escadas é que sobem sozinhas, por que alguém quereria subir todas as quatro com as próprias pernas?, ora, já são feitas pra nos poupar este esforço. (ninguém diz nada.) o chão se aproxima, aquela eternidade de preparação para o passinho transitório, e então uma, duas, três, quatro, cinco pessoas passam, grosseiras e esbarronas, numa pressa declarada para vitoriosamente pegar a dianteira no próximo lance de escadas e continuar a subir duas vezes mais rápido, agora aquele estúpido lá atrás vai ver o fluxo que ele estava entupindo, SINTA-SE MAL, IDIOTA, o que na grande maioria das vezes, de fato, não acontece.]

20080911

do Sublime, I