20070831

1989 I


pergunto-me se uma roupa de batismo vermelha e branca com riscas no estilo marinheiro afetou a pessoa que sou hoje. há dezoito anos tinha olhos azuis, as bochechas tremelicantes sempre reluzindo com saliva. e já viam-se as olheiras.

20070828

nunca mais me vê os dentes.

tenho nojo. sério nojo. repulsa. talvez não saiba, mas o mínimo de uma pessoa civilizada é demonstrar respeito. você me mete ânsia de vômito. levantei e fui-me embora porque não tenho o costume de gritar (ou quem sabe espancar) alguém com meus amigos adormecidos logo ali, principalmente na casa de um deles, e de qualquer maneira já não aguentava olhar para as suas expressões ridículas insolentes de indignação. perder meu tempo ali, com a sua insuportável presença, e tentar explicar o porquê de ter me ofendido? não, obrigada. a vontade do próximo parece ser a sua carência específica de repertório humano. talvez minhas palavras soem realmente como grunhidos um pouco mais elaborados, por isso resolvi também agir como faço com o volpi, o meu labrador, e mandar sinais corporais negativos que qualquer imbecil conseguiria ler sem nenhuma dificuldade. e bem, se fosse por imbecilidade o fato de você ter ignorado tudo, ainda seria um pouco (mas só um pouco) mais tolerável. nunca mais me vê os dentes. nunca mais me vê a cara.

20070825

fungada


pastel seco sobre papel jornal A3.

20070823

#001




primeira experimentação de aquarela em papel próprio, assim, de verdade. é por isso que arte é elitista: além de toda a carga conceitual, sentimental, intelectual, filosófica, religiosa, científica, mística..., um bloquinho com 18 postais em branco feitos de papel para aquarela 200g/m², 10 x 15cm, custou-me $26.77. a diferença é homérica, mal se vê a água que é absorvida na hora, mas acho que a grande maioria de meus trabalhos aquarelados vão continuar no canson 200g/m² mesmo, torto e cheio de poças.
e não adianta, as cores em foto nunca vão ficar iguais ao original. que hora pro scanner (sim, no singular) da minha faculdade quebrar.

20070822

cenas da última festa à fantasia

devendra banhart (ou george harrison, porque aparentemente só eu e o juliano conhecíamos o devendra naquela faculdade), machado de assis (zulu), lydia (originalmente eu ia de vampira, mas sabem como é deixar as coisas pra última hora, nem achei um lugar que vendesse só os caninos postiços, então virei a mina do beetlejuice), e renato (renato).


quatro da manhã e uns quebrados. viscosidade no chão (antes fosse só cerveja), maquiagem borrada, a típica esculhambação a que estamos fadados todos. sentei-me um bocadinho no banco do átrio para descansar os pés, o salto, o bico e a meia arrastão já incômodos, ao meu lado um machado de assis sem colete nem relógio nem monóculo já quase desmaiado.

- ZULU, SEU CAIPORA, ACORDA AÍ, MEU. - TAU!

nada.


no banco à frente estavam uma caloura de LEM (licenciatura em educação musical) e o namorado.

- ZULU, ZULU, LAZARENTO, OLHA LÁ, AQUELA BIXETE DE LEM QUE SEMPRE PASSA MAL NAS FESTAS! (zulu-machado roncando.) oooolha só, ela tá de boa e já são quatro da manhã, que coisa incr...




- BLLEEEEEEEEEEEEARGHHH GGHHHHHH AGHHHHGHGHHGUUGHHH


- porra, que caralho, ela parecia MESMO de boa... não falo mais nada também. dorme aí, vai, zulu.





20070817

Agosto

minha agenda tornou-se a coletânea de coisas que não fiz. por isso vive hoje aqui, por debaixo dos livros e dos papéis rabiscados. pego nela quando me lembro, para riscar compromissos desfeitos e acrescentar o que realmente foi feito daquele dia. por que ainda insisto em escrever as coisas, sobre as coisas? simplesmente não funciona - o benefício da dúvida é dissipado, as conjecturas e deduções concretizam-se. as pessoas e suas atitudes encaixam-se perfeitamente no prisma, as cenas pulam de violeta para castanho, a tensão, o prazer (será que ele...?), as demonstrações sutis que significam tudo e nada.
antes, era o vazio. como não conhecia nada além o vazio me era suficiente, podia preenchê-lo com matemática e a tabela periódica completa. mas hoje!, ah, hoje, hoje a clareza trabalha com a confusão, novas idéias trazem soluções que trazem mais perguntas, a lucidez anda com a loucura.
já não consigo mais perceber a diferença entre vermelho e laranja, confundo o azul e o verde à distância. não sei de que cor são meus olhos ou minha pele; há hibridez por todos os lados!
o mundo é mais intenso neste último mês. o vento penetra nos ossos e o sol queima os neurônios. os toques causam calafrios na espinha e noutras partes, será que ele...?, os beijos de cumprimento na bochecha aproximam-se cada vez mais da boca.
mas como é que as coisas ficaram assim que não me lembro?


se as palavras traduzissem o que penso e sinto não precisaria pintar. e não é tão bom, isso tudo?

20070811

ciclope castanho das cavernas montanhosas de kukukuku

20070808

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gratificante é estar coberta de tintas, óleos, essências, vernizes, solventes, olhar para as ondas no suporte e perceber que é meio esquizóide a maneira da cor, traço e trama mudarem tanto de um dia para o outro. as aquarelas quase saltam do papel de algodão, os veios e as manchas da água formam vagos resquícios de um mundo longínquo e esquecido...


ando a transpirar betume:
desculpem a monotonia de assunto.

20070806

monday, august 6th, 2007. 10:49am. home. my room.

close to committing murder.

20070804

talvez já fosse tempo

todas as coisas que comprei em portugal estão se estragando pouco a pouco. o anel perdeu-o uma amiga minha, a tiara foi esquartejada pela costureira perto de casa, partiu-se a fivela do cinto de vinil, a blusa do oceanário estragou-a minha empregada com o ferro quente, o casaco creme manchou-se de nanquim. não quero pensar no que vai acontecer ao meu zippo algum dia.
hoje, foi a minha avó que meteu na cândida uma calcinha preta com naipes de baralho, aquela, que eu usei na minha última noite em lisboa, uma das minhas favoritas.
tento, ao máximo, evitar quaisquer pensamentos românticos sobre os recorrentes desastres a que estes objetos são fadados, como eu cada vez pareço mais longe daquela terra e como as pessoas à minha volta estraçalham, sem saberem, os vínculos materializados, as memórias palpáveis que tenho das duas semanas que passei lá.


a calcinha ficou cheia de hematomas e descamações naquela cor castanho-avermelhada que, para mim, é a tonalidade que mais representa a morte.


não vou pensar mais sobre isso.

a bananea pistache

é tudo muito triste para ser contado. é por isso que, nestes anos em que não nos vemos, nunca tive a coragem para escrever-te. percebes - coisas é que não me faltam, mas deitá-las ao papel é ter de confrontar mais uma vez o que levei tanto tempo para apagar de minha cabeça. tens de me desculpar a covardia.
sou estudante de arte agora, prima. talvez vire uma existencialista insuportável de cabelos mais curtos ainda que ouve jazz e promove orgias num quarto negro; nunca se sabe o que está por vir. sabes, a Universidade é só a duas quadras do museu. gosto de perder-me pelos jardins, deitar-me no tapete macio de grama e esperar que não me venham tirar dali à força. penso em todos os momentos que vivi ausente, a desejar uma vida melhor que esta, longe desta. é melancólico todas as noites pousar na almofada a cabeça atordoada com pessoas e lugares que podiam ser (mas não são, não são!). ouve - amaldiçoei já meus ancestrais, pedro álvares cabral, o oceano atlântico todo e até mesmo a separação da pangea. sou uma pessoa frustrada, prima. o que mais desejava era ir-me embora. ser outro alguém noutro sítio, ser um pouco de cada coisa que existe no mundo. deixar tudo para trás não soa nada como abandono, mas sim como um regresso. os dias estão a ficar mais curtos.
apetece-me...
eu e tu, no bosque. estávamos vestidas de branco, corríamos uma da outra por entre as árvores e ríamo-nos. lembras-te?, eu era a pequena suja, tu eras a pequena limpa. talvez porque tua pele sempre foi mais alva que a minha, era o lógico, no nosso raciocínio. deformavas-te ao sol, enchias-te de comichões. a minha pele se manchava, como se a luminosidade revelasse tudo o que havia de errado dentro de mim. pensava, a sério, que eram reflexos de meus pecados por este mundo, e me aterrorizava que alguém os pudesse ler e contar numa olhada mais atenta. pois percebes, prima, que eu por vezes desejava o mal das pessoas, e por vezes levava a cabo pequenas espertezas que me faziam sentir vingada. e estava tudo ali estampado, sem cerimônias.
sonhei com o meu padrinho numa destas noites. tu sabes, ele morreu de aids há alguns anos, já... mal o conheci. de criança vi-o ali doente e magro em sua cama, ele ofereceu-me um doce qualquer, e, quando era menor ainda, um livro de estórias para completar. mas no meu sonho ele estava ali, em pé, saudável, com seus óculos de armação de osso e um belo sorriso à cara. tu me conheces e sabes que nunca fui de acreditar em nada, mas comecei a agir como se meu padrinho beto estivesse ao meu lado todo o tempo, em tudo o que faço - sinto que ele percebe tudo. eu não levo uma vida digna. e, ainda assim, ele sorri para mim.
como está a cidade? as putas continuam nas esquinas, os drogados nas vielas e as polícias nas ruas? não sinto por minha decisão; essa atmosfera já me sufocava, engolia. definhava se tivesse ficado mais um ano. como andam as meninas todas? o cine paradiso ainda funciona?



olha para mim. tenho tudo gravado a fogo na mente, as pessoas, os lugares e todas as vezes que tentei fugir deles. mas é inútil - a cada vez que vou-me embora, deixo um bocado de minha carcaça para trás.

20070803

F-A-G

os tempos andam estranhos. todos os interruptores que aperto (fora os da minha casa) são inúteis ou estão com as lâmpadas queimadas. mete medo. passei uma semana fazendo um projeto de quadrinhos extra, sem vida social e sem pensar em outra coisa - tudo isso por só uma página -, mas depois que ouvi do professor que ia receber a nota máxima, valeu a pena. não só por isso, estou feliz de ter me superado e feito algo de que realmente goste.
a faculdade anda estranha, todo mundo está com o cabelo diferente, aquela grande primeira impressão já começa a esmaecer. surpreendo-me todos os dias com a minha incapacidade de apaixonar-me por pessoas que possam estar comigo (minha vida amorosa sempre foi uma grande piada burlesco-romântica) e de desenhar com lápis. eu sei é pintar. só pegar nos pincéis, na água e na aquarela que as imagens vazam no papel...
não sei por que continuo a roer as unhas. vai ser mais difícil parar agora que minha avó está aqui passando um tempo, e dormindo na minha cama, diga-se de passagem, sob o pretexto de cuidar da minha tia que (já) se recuperou de uma pneumonia. os tempos andam mesmo estranhos. demasiado azar. o metrô não funciona, levo três horas para chegar da faculdade em casa, sem nem saber como porque estou sempre muito alterada. ouço um cd específico mais do que o saudável, talvez, e queria ser capaz de arrancar o pc da tomada por um longo tempo sem sentir pulsar o vazio, que qualquer coisa aqui dentro está oca.
não aguento mais ter um papagaio aos ombros - bia, bia, querida, aonde você vai, aonde você foi, por que você não faz isso depois, pode acender a luz, não me incomoda, olha, aqui tem arroz - eu já disse e sempre digo que não como arroz há anos, avó -, por que você não usou aquele shampoo, vem dormir, queridinha, eu me preocupo com a sua saúde, vem dormir, vem dormir que já são meia-noite, vem dormir, pode acender a luz que não me incomoda, mas você ainda vai ler, já está tarde, vem dormir, vem dormir, você vai ao banheiro, por que tão tarde assim, tem aqui um pouco de arroz, você não qu-





NÃO AVÓ EU NÃO QUERO NENHUMA MERDA DE ARROZ NÃO VOU JANTAR AGORA E NÃO DURMO ANTES DAS DUAS DA MANHÃ VOU LER SIM ATÉ A HORA QUE EU QUISER AQUELE SHAMPOO FEDE EU SEI DESDE CRIANCA QUE A LUZ NÃO TE INCOMODA MAS LAMENTO EU VIVO NO ESCURO NÃO QUERO SAI SAI SAI DAQUI





por que todas as minhas amigas amam todos os vovôs curvados, babões e pequeninos e eu sou acometida com idéias do tipo dar uma coronhada na cabeça da minha avó quando ela ronca de madrugada?