20070906

perséfone

vidinha anda muito irônica, e eu pareço ter-me esquecido de como se usam as palavras. são velhas, gastas, e não as mesmas de antes. tive três sonhos esta manhã, todos de meia hora, todos angustiantes. tenho faltado à faculdade mais que o aconselhável; mesmo que não apareçam faltas no meu boletim, ficar em casa enquanto tudo acontece não é exatamente o que eu queria, embora tenha o constante problema de não fazer verdadeiramente parte de nada... e só conseguir trabalhar sem pessoas à minha volta. dormir também é outra coisa que enfrento dificuldades se há outra pessoa além de mim no cômodo, enerva, irrita, coça. sou mais confortável sozinha no escuro.
escrevi, acho que segunda-feira, um post sobre recentes re-descobertas que, no fundo, sempre rondaram minha mente - eu é que achava que as devia bloquear em prol do meu lugar nesta sociedade. deletei, republiquei agora de pouco, mas ao ler de novo percebi: pela primeira vez não consegui sair de minha mente, encarnar outra e encarar meu texto como se não fosse meu. foi impossível, não tive idéia alguma, não sei se está bom, se está mau, se o subjetivismo pode formar o contrário daquilo que pretendia. talvez porque seja tão assustadoramente verdadeiro, tão meu, como nada do que escrevi antes...
queria mesmo falar sobre a descoberta de uma maneira compreensível. gastrulação interrompida durante anos, a estranheza ao tornar-se um feto, tão rico e complexo como jamais imaginei, é ainda maior. mesmo porque - até hoje não conheci pessoalmente nenhuma outro ser que tivesse recebido o mesmo chamado, se é que posso dizer assim. não conheci ninguém que tenha ouvido a mesma voz, e os mesmos fascínios.
de qualquer maneira, era impossível escapar. começou a vazar de novo através das tintas. o lápis é falso, traiçoeiro, obriga-me a pensar racionalmente e, uma vez que faço isso, vejo no papel traços mortos, dignos de pena. e então, as cores, as luzes, as sombras - as linhas inanimadas tomam volume, quase babo de prazer ao trabalhar nas texturas. e foi através disso que descobri o que realmente me circulava na cabeça e que vinha tentando renegar desde que deixei de ser criança o suficiente pra aprender que neste mundo as coisas têm de se encaixar em formas e para perceber que seria um caminho tortuoso, porque não podia esperar, não posso esperar, que alguém à minha volta entenda.
acho que na realidade tudo isso voltou com maior força desde que me classificaram, na classe, como perséfone. perséfone, mulher de hades, rainha dos mortos, senhora do inferno. perséfone, que escolheu comer da romã, a fruta dos mortos, e permanecer um período no submundo ao invés de voltar ao olimpo, onde podia ser uma deusa normal...
e eu também comi da romã. só não sei exatamente quando: se ainda criança, porque os pequenos não têm outras doutrinas senão seguir aquilo que os completa; ou se agora, depois de perceber que a semente do fruto sempre esteve algures aqui dentro.