- ...e a minha mãe ligou dizendo por que você não chama a bia aí para vocês experimentarem umas novas posições e...
- !!!!!!!!
- quê? o que que eu... AAAAAAAAAAHEHAHHISDSOIDIWOUAHOIHISEAOHEA
três minutos depois:
- AAAAAAHDSADAHESUAHIUSHAODSHDSUHDUIOSAAAAaaa... bom, do que falávamos?
20070926
trocando a mobília de lugar
20070920
21:21
comecei ontem a ver horários duplos novamente. esse hábito tão estranho e involuntário havia começado há uns meses, e por acaso a minha vida estava correndo com uma sorte tremenda - daquele tipo de se desconfiar que seja tudo parte de uma grande piada maior e só estamos à espera do momento certo para o punchline. mas desde o começo de agosto eu não bati mais o olho no relógio e vi lá os números repetidos (algumas vezes acontecia de ser 15:14 e no momento em que pegava o celular ver o número virar para 15), e também por acaso minha vida desabava em alguns aspectos.
as pessoas enlouqueceram, lela, só nós é que permanecemos na sanidade. não é tão ridículo, tão transparente e inacreditável?
meus pés estão pegajosos de pedra sabão. passei o dia com grosas, abri ferimentos nos dedos por conta de escorregões, depois foram 32 lixas e um pó que revestiu minhas narinas e garganta, manchou minhas roupas e embranqueceu meu cabelo. calculo que ainda vou levar três dias inteiros até chegar na etapa de botar fogo e passar a cera (no kidding), eu simplesmente tinha de pegar a maior pedra do monte, não é? mas estou muito feliz, apesar de apertada com o prazo, tenho algo parecido com uma concha e um molusco saindo por baixo. claro que só descobri isso depois de bater na pedra durante outros três dias, tentando perceber alguma forma, tentando acompanhar os movimentos e rachaduras. o que poderia dizer é que, ao invés de uma concha propriamente dita, a pedra possui movimentos de concha. formações espiraladas, bicos, reentrâncias, veios. um trabalho do caraças para lixar, devo dizer. mas a satisfação compensa tudo - nada melhor do que ver-se ali, tão puro como nunca se imaginava, levar matéria à vida!
além disso, há o projeto de releitura das cartas de tarot, no estilo de cada um da classe. eu, como faltei tipo... ham... mais de uma semana quase seguida à faculdade, perdi o dia do sorteio. dizem que foi um momento intenso, quase todos tiraram uma carta que o resto da classe olhou e disse pode crer!. sobraram, para mim e para o lucas, a Rainha de Copas e O Imperador. eu tinha certeza absoluta de que ia tirar a Rainha de Copas. mas não - foi a outra. e talvez tenha mesmo sido melhor. se tivesse puxado a Rainha, corria o risco de acabar sofrendo uma influência demasiado forte, por assim dizer, de alice no país das maravilhas. O Imperador, creio, é um desafio, algo que não faria normalmente, e o significado dele é algo em que se pensar: o equilíbrio entre agressão e empatia, saber ser um líder conciso e forte o suficiente para conquistar a confiança das pessoas e ao mesmo tempo entendê-las em sua individualidade para conseguir intermediar os conflitos que inevitavelmente surgirão com o caminho. a referência para o trabalho vai ser o tarot de marselha, feito a partir de xilogravuras do séc. XVIII, com os símbolos característicos fixos de cada carta. no meu caso, são o trono (que comumente é feito de pedra), o cetro, o orbe, uma cabeça de carneiro, por causa da relação com o signo de áries, e às vezes uma águia.
quando ficar pronto (antes do dia 15, espero) posto aqui.
20070919
FUI ATROPELADA!!!
aconteceu ontem, por volta das oito da noite. ou será que foi às seis? enfim - minha noção de tempo na dada hora estava meio precária, portanto não aconselho muita confiança em relação à passagem das horas.
o local: bairro do ipiranga, quase zona sul de são paulo mas um bocadinho pra lá, caminho para são bernardo do campo e saída para santos. localidade ilustre, em que dom pedro declarou a independência do país (porque tinha diarreia e queria bazar!, diria o J.) às margens do rio. bairro de artérias importantes de são paulo como as avenidas ricardo jaffet e nazaré, de muitas escolas de todos os graus, públicas e particulares, religiosas e laicas, faculdades de medicina, teologia e... artes. residências simpáticas, onde o velho costume dos homens ficarem à porta de casa sem camisa para olhar o movimento (olhar o movimento? que grande besteira, dizem as pessoas de hoje) ainda é mantido com regularidade, estabelecimentos comerciais que, ao invés de terem escrito o que oferecem, fazem pinturas de gosto e técnica duvidosos na parede da casa. as ruas são trançadas com tão pouca lógica que mesmo um paulistano de quarenta anos que nunca saiu de são paulo consegue se perder sem grandes dificuldades. um bairro encantador, em suma.
estávamos nós, isto é, nós eu, zulu, cibele, gui, tiago e celso indo do bar à casa do zulu. ele tinha uma vodka absolut no congelador, e como já estavam todos instigados pela cerveja e cachaça, ir lá acabar com a bebida cremosa era a melhor idéia do mundo naquele momento. o caminho não era longo, a noite não estava tão escura assim; o trânsito quase não existia, a não ser por um carro ou dois.
e foi justamente um desses um ou dois...
eu parei um passo depois da calçada, numa esquina. podia jurar que o carro ia seguir em frente, não dava seta e vinha a uma velocidade considerável. o problema foi que, enquanto esperava o carro passar (o que não ia demorar muito pela rapidez com que vinha), olhei para trás para falar com alguém ou para ver alguma coisa, não sei, calculei o tempo na minha cabeça e simplesmente fui andando. não vinha mais ninguém.
não dei nem meio passo e BAM!, dei de cara com a lateral do carro, que havia diminuído bruscamente a velocidade para virar a esquina, e senti uma leve pressão no meu pé esquerdo. fiquei impressionada como não senti dor quando a roda passou. talvez fosse a bebida.
as pessoas todas entraram em pânico. MEU DEUS, VOCÊ FOI ATROPELADA, E O SEU PÉ, ELE PASSOU PELO SEU PÉ!, ELE PASSOU PELO SEU PÉ? que pelo meu pé o quê, vocês estão loucos, quanto pesa um carro?, olhem, tou andando normalmente, não se preocupem, gente.
bem, só que hoje meu pé acordou dizendo o contrário. dores horríveis, bem mau. não apareci pela faculdade - neste momento meus amigos estão inventando para todos que eu fui uma vítima da violência no trânsito, dos motoristas ensandecidos que circulam por são paulo sem nenhuma consideração pelos pedestres, e aí ficam todos a pensar que eu tou com três costelas, o pé, a clavícula e o fêmur direito quebrados mais uma concussão na lateral do crânio. vão levantar fundos com o meu nome, escrever faixas com a minha foto e uma legenda embaixo, VÍTIMA DA VIOLÊNCIA, e do outro lado a foto do meu veterano renato com a legenda DESAPARECIDO porque trancou o curso e foi-se embora sem avisar ninguém.
aceito flores, livros, drogas e desejos de melhoras.
obrigada.
tags: vítima da violência
20070917
triste decisão
nunca pensei que fosse dizer isto, mas: chegou a hora de limpar os meus all-star. quando os comprei eram brancos, de couro, duros e desconfortáveis. o tempo passou, o couro amoleceu e amarelou, a palmilha tomou a forma do meu pé, a sujeira acumulava-se cada vez mais. está bonito assim.
e não que hoje não esteja. adoro os rasgos que abriram nas laterais, adoro a palmilha metade comida por um hamster, adoro a cor indefinida - é cinza? é amarelo? ...meio castanho, talvez? -, adoro as rugas do couro, adoro como consigo discernir entre as manchas e lembrar-me de como elas foram parar lá. por quantos sítos ele passou, quantos sentimentos viveu! é que - já virou mais questão de higiene do que poesia. meus amigos apanharam um medo mortal que eu o encostasse em qualquer coisa além do chão. confesso que eu mesma, quando encosto nele, penso "lavar as mãos, lavar as mãos, não posso esquecer-me de lavar as mãos, VERMES, lavar as mãos!" e sinto um mal-estar ao pensar que na grande maioria das vezes eu não as lavei. o que me consola em partes é que como já não há mais lugar para acumular a sujeira ela agora começou a ser raspada fora conforme ando por aí. ao invés do meu tênis se sujar, ele suja os outros lugares.
mas não se iludam! acham mesmo que eu vou lavá-lo? nah. um paninho com álcool calha bem nestas horas.
the Public Affairs section of the U.S. Embassy in Brazil is pleased to announce...
cheguei ontem de santos, depois de uma viagem mais longa que o comum por causa do trânsito. eu havia tentado dormir, mas o moishe (moisés, em hebraico ou iídiche ou whatever - não importa - o shih tzu p&b da minha tia que tornou-se o filho que ela nunca teve) insistia em deitar-se com o traseiro apoiado em minha perna, que me roçava incomodamente conforme o movimento do carro. minha tia e meu tio, como sempre, em suas extensas dissecações do ambiente e das pessoas, na típica arrogância exatóide que possuem gentes de economia e engenharia, respectivamente. para ela, a vida não passa de dados a serem organizados, tabelados, analisados, comparados e traçados numa curva. para ele, de números, método e programação. desta vez, a discussão era sobre pet shops - ganhos e perdas, no que acertam, no que erram, comentavam a localização, espaço, serviços oferecidos, especializações, materiais, produtos e até mesmo a tosa dos cães. como sempre, faltou pouco para eles de fato pararem numa pet shop, escreverem tudo num papelzinho e dizerem olhe, com isto os seus negócios com certeza vão melhorar, muda tudo, muda que tá tudo errado! eu às vezes me intrometo nas discussões, confesso. faço observações importantes do tipo: há um restaurante mexicano lá na rua da consolação, ele é todo roxo e laranja; antes a gente pensava que era a pbkids, mas depois vimos que chamava-se CHIHUAHUA e acho que ficamos praí três meses com a convicção de que ERA uma pet shop. não é tão comum roxo-e-laranja ser associado a pet shop?
eles ignoram, claro.
de qualquer maneira...
cheguei ao meu quarto, vi que o meu livro sobre invertebrados que eu havia deixado na mesa estava fechado, ao contrário de sempre aberto em moluscos > cefalópodes, e fui procurar a página para continuar meus estudos dos polvos cirrados. ao abrir, que surpresa!, um papel impresso em inglês.
Applications Solicited from Student Leaders for Studies of the United States Institute
ah, ok. comecei a ler.
The Study of the United Stated Institute is an intensive academic program with integrated study tours whose purpose is to provide groups of undergraduate student leaders with a deeper understanding of the United States, while simultaneously enhancing their leadership skills.
um.
quem disse que eu quero passar meses da minha vida, perder aulas na faculdade, para ir aos estados unidos estudar um intensivão sobre... os estados unidos? diz lá nos detalhes que é mesmo uma imersão nos valores e modo de vida americanos, aulas, palestras e leitura todos os dias o dia todo (eles já avisam que o tempo para assuntos pessoais é insignificante), para proficientes em inglês. debates sobre a vida contemporânea lá, questões políticas, sociais, econômicas. haaaaam, certo, eu não desprezo o valor desse tipo de experiência mas não é exatamente o que tou à procura. era bem do gosto de minha tia, pensei, ninguém mais poderia ter deixado isto aqui.
dois.
inclui um programa para desenvolvimento de liderança. eu não acharia nada mais odiável do que ter aulas de liderança. assim como tantos outros assuntos, acredito que é para natural-born-people. natural born leaders. não sei se sou uma, isso são só os outros que podem dizer, e não acho que uma série de métodos tenha a ver com nada. líderes são empáticos e têm muito tato - sabem tratar das pessoas, sabem o que elas querem e como conquistá-las para lutar em sua causa. vá lá, até é possível aprender alguns esquemas, mas se eu não possuo essas qualidades acabo quebrando no meio.
três.
é mais do que sabido aqui em casa que vou tentar um intercâmbio pro ano que vem, talvez, através da própria faculdade e cumprindo carga horária na universidade estrangeira, aproveitando uma grade de cadeiras que meu curso não tem, ou tem, mas naquela picaretagem. há mesmo condições de ir para os estados unidos nessa merda e depois ficar mais seis meses fora? é, acho que não.
quatro.
ao ver a dimensão que isto tomou, fiquei um pouco surpresa com quantos sentimentos de revolta que a simples descoberta desse papel impresso no meio do meu livro de invertebrados causou. família é foda - todo mundo se agride, e os piores cortes são os silenciosos. se me tivesse sido apresentado de outra maneira, com outras intenções, quem sabe até não seria interessante?
*
almoço de domingo na casa da avó. meu pai foi pegar uns copos no armário, estavam engordurados. mãe, o que é isto, quem anda lavando estes copos? ela, ao invés de admitir que lavou com pressa, ou que não enxerga direito porque é cega de um olho, ou que estava com preguiça - ah, isso acontece, os copos engorduram-se no armário. ha, sim, engorduram-se, pois sim, e até aparecem umas marcas de digitais assim, do ar...
acredito.
20070913
mamã
vergonha nacional
faça como eu e um número crescente de blogueiros brasucas: ajude o conteúdo da internet a ficar mais específico e preciso com uma postagem dedicada ao link vergonha nacional. logo, todos os que digitarem vergonha nacional na caixa de busca do google deparar-se-ão com o site do senado brasileiro como primeiro resultado.
acho charmoso.
de: Senhor Marcus Grande Abóbora.
tags: senado, vergonha nacional
20070910
depois do fim-de-semana
mais um deles. espero sinceramente que seja o último ou, do contrário, vão começar a pensar que eu risco os nomes da lista com um sorriso cruel, ao invés de acrescentá-los com amargura.
20070908
20070907
max ernst - nature at dawn
geralmente não gosto de animações em cima de obras de arte. vi algumas do dalí uma vez: achei uma merda. max ernst a meu ver enriqueceu o surrealismo de maneira insuperável, e este pequeno trabalho ganhou minha simpatia por não ser em nada pretensioso e complementar o que sinto ao olhar para a pintura.
tags: max ernst, surrealismo
20070906
because these handcuffs hurt too much
está decidido: vou continuar com a minha argola no septo até deixar de sentir que sou presa, confinada, enclausurada, escrava. é isso o que ela significa, principalmente por sua localização e agressividade, embora nunca tenha falado a ninguém. sei que nunca vou me sentir realmente livre. tudo o que eu queria era levar a minha vida em paz do meu jeito, sem fofocas dentre os membros da família, sem gente se machucando porque eu tenho o costume de sair e ficar acordada às madrugadas, sem dedos apontados para me dizer que sou anormal e desajustada só porque trabalho e me organizo de outro modo, sem aguentar humilhações e preconceitos ao jantar. se vocês artistas, pintores, músicos, já têm de saber pintar e tocar antes de entrar para a faculdade, por que vocês fazem faculdade? - ela parece se esquecer que artes e música são matérias só para crianças na escola. não as seguimos ao terceiro colegial, ninguém considera que pode haver um número mínimo de alunos que têm essa vocação, muito menos como coisa séria. como se tudo o que houvesse para aprender não fosse além deste primeiro contato que temos aos seis anos de idade! se notam alguém na classe que desenha melhor, oh!, ele faz os esquemas dos músculos com tanta facilidade, deve ir para biologia. se notam alguém que gosta de escrever, mandam-no para jornalismo sem ao menos perguntar se escreve dissertações ou poesias. artes? isso é para vagabundos. do mesmo jeito que há de se estudar química e todo o resto para entrar em química, os artistas têm de estudar química, todo o resto e mais música/desenho/história da arte por fora, o que acho que dá mais trabalho, não é?, do que simplesmente assistir às aulinhas que fazem parte do currículo escolar brasileiro, do que fazer administração pra tomar os negócios do papai. (apesar de que para mim estudar arte nunca foi realmente estudar.) as pessoas são cegas ao esforço e à coragem que é preciso para entrar numa faculdade de artes. é saber que ninguém vai compreender, ninguém vai achar legal, que todo mundo vai ficar desconcertado e dizer "mas no que você pode trabalhar com isso?", "mas o que você aprende em artes visuais?", achar que é só questão de boa coordenação motora, e pra que sequer uma faculdade, não é só saber desenhar?
vocês artistas não precisam saber de nada, só desenhar.
e é assim, não se pode esperar valorização, mesmo que estudemos uma diversidade até muito além do normal: afinal, é a tradução do mundo, da humanidade e de todas as suas coisas através paixão interna que move cada um. e viver assim, com gente que não entende que não dá pra parar no meio de uma pintura a guache para jantar (a tinta seca, perdem-se as cores na paleta, perde-se o raciocínio, TUDO), que não dá pra forrar o quarto inteiro com plástico para não sujar os móveis perfeitos sob medida, é tão claustrofóbico quanto ainda estar fechada naquelas quatro paredes da sala do colégio ave maria.
e enquanto isso, rebato meu tio:
- artista, pintor de parede, tudo a mesma coisa...
- engenheiro, pedreiro, encanador, tudo a mesma coisa.
perséfone
vidinha anda muito irônica, e eu pareço ter-me esquecido de como se usam as palavras. são velhas, gastas, e não as mesmas de antes. tive três sonhos esta manhã, todos de meia hora, todos angustiantes. tenho faltado à faculdade mais que o aconselhável; mesmo que não apareçam faltas no meu boletim, ficar em casa enquanto tudo acontece não é exatamente o que eu queria, embora tenha o constante problema de não fazer verdadeiramente parte de nada... e só conseguir trabalhar sem pessoas à minha volta. dormir também é outra coisa que enfrento dificuldades se há outra pessoa além de mim no cômodo, enerva, irrita, coça. sou mais confortável sozinha no escuro.
escrevi, acho que segunda-feira, um post sobre recentes re-descobertas que, no fundo, sempre rondaram minha mente - eu é que achava que as devia bloquear em prol do meu lugar nesta sociedade. deletei, republiquei agora de pouco, mas ao ler de novo percebi: pela primeira vez não consegui sair de minha mente, encarnar outra e encarar meu texto como se não fosse meu. foi impossível, não tive idéia alguma, não sei se está bom, se está mau, se o subjetivismo pode formar o contrário daquilo que pretendia. talvez porque seja tão assustadoramente verdadeiro, tão meu, como nada do que escrevi antes...
queria mesmo falar sobre a descoberta de uma maneira compreensível. gastrulação interrompida durante anos, a estranheza ao tornar-se um feto, tão rico e complexo como jamais imaginei, é ainda maior. mesmo porque - até hoje não conheci pessoalmente nenhuma outro ser que tivesse recebido o mesmo chamado, se é que posso dizer assim. não conheci ninguém que tenha ouvido a mesma voz, e os mesmos fascínios.
de qualquer maneira, era impossível escapar. começou a vazar de novo através das tintas. o lápis é falso, traiçoeiro, obriga-me a pensar racionalmente e, uma vez que faço isso, vejo no papel traços mortos, dignos de pena. e então, as cores, as luzes, as sombras - as linhas inanimadas tomam volume, quase babo de prazer ao trabalhar nas texturas. e foi através disso que descobri o que realmente me circulava na cabeça e que vinha tentando renegar desde que deixei de ser criança o suficiente pra aprender que neste mundo as coisas têm de se encaixar em formas e para perceber que seria um caminho tortuoso, porque não podia esperar, não posso esperar, que alguém à minha volta entenda.
acho que na realidade tudo isso voltou com maior força desde que me classificaram, na classe, como perséfone. perséfone, mulher de hades, rainha dos mortos, senhora do inferno. perséfone, que escolheu comer da romã, a fruta dos mortos, e permanecer um período no submundo ao invés de voltar ao olimpo, onde podia ser uma deusa normal...
e eu também comi da romã. só não sei exatamente quando: se ainda criança, porque os pequenos não têm outras doutrinas senão seguir aquilo que os completa; ou se agora, depois de perceber que a semente do fruto sempre esteve algures aqui dentro.
20070903
submundo
por onde andará, hoje, aquele mineiro das gotas de sangue? passei a noite a procurá-lo, a ele e ao aborto - a única coisa que permanece viva na minha memória após tantos anos; após aperceber-me e lembrar-me, justamente esta noite, do que me fazia buscá-lo, mesmo que nunca tivesse sabido se algum dia fui pouco mais que um vulto. onde estará o mineirinho...
nossa diferença de idades nem devia ser tanta, aí para uns cinco anos, no máximo, e ele vivia no mundo do qual eu não ousava fazer parte. porque: é sempre tudo muito triste para ser contado. (mas naquele tempo eu não sabia serem as explosões em meu peito algo, um chamado, uma direção. o esôfago contraía-se, a respiração cessava, o coração a pulsar em todas as extremidades... - não! por que não consigo ser uma pessoal normal, gostar da vida e não da morte? a morte... é... apenas... o princípio..., a morte é castanha..., ali, logo ali, as cortinas a moverem-se numa tarde sem brisa)
escondi-me por detrás de fórmulas matemáticas e equações químicas, agarrando o fio da esperança de encontrar-me ali, nos números, nos elementos, nas leis da física que têm a mania irritante de querer explicar tudo. tentei partir, esqueci-o
agora, depois de trilhar tantos percursos que jamais imaginava, o menos esperado de tudo é ter caminhado em círculos. talvez seja verdade o que dizem os alquimistas, aquilo que está em cima é igual ao que está embaixo, e, depois de muito peregrinar, volto ao ponto de partida para perceber que meu coração nunca realmente saiu de lá. sinto uma gota na nuca: o sangue enegrecido com as dores e os encantos, mais preparado e venoso para voltar aos portões do mundo à volta do qual costumava vagar, espreitando com olhos luminosos os poucos seres que um dia estiveram em meu lugar, outros, nas profundezas, que nunca conseguiram sair e espiar a vida dentre humanos que sentem pavor pelo lado obscuro.
como pude empurrar tudo para um canto esquecido da minha mente, na esperança de abafar os gritos que ninguém mais ouvia? como pude demorar tanto para me dar conta de que não é uma questão de reprimir um lado incompreensível demais para a lógica, não era e nunca foi! afastava-me da essência que sempre esteve incrustrada aqui, por todos os lados, nos olhos e nos tecidos, desde que tenho consciência de que existo. e, se eu tivesse parado para refletir um pouquinho que seja, veria que não havia outro destino - senão este.