20080620
20080616
sobre quê?
desde criança que não tinha um terçol. começou tímido na sexta, quase imperceptível, ontem cresceu um bocadinho e avermelhou; hoje já começa a me atrapalhar a visão. quando dou por mim já tou passando o dedo nele, verificando tamanho, consistência, sensibilidade, e comecei a andar de óculos de grau por motivos estéticos (colocar a franja em cima não dá porque irrita). nunca gostei de usar essa armação na cara e não me incomodo de ter uma visão gradativamente impressionista do mundo a partir dos 5m de distância, a não ser quando pegava ônibus e presumia que era o Terminal Sto. Amaro quando na realidade entrava no Jd. Maria Luiza ("hmmm são três palavras, deve ser esse, é vermelhinho também"), só percebendo na rua que divide os itinerários dos dois. raras as vezes em que isso aconteceu, todas a mais inconveniente possível. quando por algum acaso ou necessidade hei de andar na rua com os óculos, sempre vou me surpreender com o mundo todo, mesmo as coisas tão distantes, detalhado, tridimensional e palpável; mas não usá-los restringe o foco da minha atenção ao que está mais próximo a mim, facilitando a leitura no metrô, por exemplo, ao invés de ficar reparando no tipo bizarro do outro lado do vagão. além do mais, como a necessidade anda de mãos dadas com a inventividade, descobri que, se fechar a minha mão fazendo um funil muito estreito mesmo e olhar através dele, consigo compensar bastante da deformidade da minha córnea - daí as pessoas cerrarem os olhos pra ver melhor. se ainda enxergasse mal desde criança, nah, tive uma visão ótima até os dezesseis, pude aproveitar bem considerando que meus pais são dois ceguetas e não fazem absolutamente nada sem lentes ou óculos.
mas eu falava do terçol. meu tio me deu o passo-a-passo das compressas, com chá e gaze, não com algodão, ele fez questão de frisar. numa viagem de carro no sábado, minha tia perguntou a ele - é micóbrio, não é?, eu já ia falando, - nem sempre, pode ser por causa de..., mas meu tio cortou, - si, con certessa es microbio. então ok, não apareceu até agora nenhum sinal de ponto de escape ainda imaturo, e a merda da internet é ler que há a possibilidade de isto endurecer tudo aqui dentro e ter de fazer um pequeno procedimento cirúrgico pra remover. já apavoro, - e se nunca sair, e se nunca drenar?. minha tia já aproveitou pra dizer, - é bom estes dias você não se expor à fumaça nem nada disso, senão vai piorar, ou seja, - aguenta ficar uns diazinhos sem fumar nada ou você já é totalmente viciada?, conheço a figura. falou também, contra a opinião de TODAS as pessoas que eu conheço, que fico melhor de cabelo chanel alisado. e eu lhe respondi, - você só acha isso porque chanel é corte de mulher independente, auto-suficiente e decidida, ao mesmo tempo que com o cabelo liso fica geométrico e clean, simples e quase modular, porque você tem uma visão muito prática das coisas. ela admitiu que eu tinha razão, e ficou implícita ali a parte que eu não falei: - meu cabelo anda totalmente romântico, cachos, ondas e frisos, às vezes seca bem, às vezes não, tudo depende do dia. você tem medo que eu me perca no meu universo de sonho, e acha que um corte de cabelo poderia mudar minha atitude em relação ao mundo. não desprezo totalmente essa opinião, mas penso que é mais um reflexo de uma mudança interior que já vem em andamento do que o catalisador em si. enfim...
eu falava do terçol, e nisso ela também sugeriu que eu não tirasse os óculos em hipótese alguma, pra proteger, proteger, PROTEGER, sempre, é a política de agir na defensiva contra tudo o que está à nossa volta, o sol prejudica a pele, as unhas carregam bactérias, a grama está cheia de insetos nojentos e resquícios de bichos doentes, tudo tem de ser extremamente asseado, quimicamente esterilizado, fervido e embalado de modo que não toque em nada. se estivéssemos no século XIX a atitude é quase comparável àquela que encarcerou Colin, do Jardim Secreto, dentro de casa durante anos. é fraco, não aguenta, tem de repousar, tem de se tratar, isolar, quando tudo o que se precisa é deixar que aconteçam as interações naturais. e como é que as pessoas faziam antes de descobrirem os microorganismos? aceitavam a morte como um castigo divino, ficavam deformadas ou sequeladas, mas aposto como eram muito mais humanas e terrenas no sentido de estarem sujeitas, tanto quanto ou mais que os animais, aos acasos do universo e às leis da natureza que têm sua própria maneira de se organizar. a tendência é nos separarmos cada vez mais do mundo orgânico almejando uma dita superioridade, quase que um complexo de D'us, alterando o equilíbrio estabelecido para impor o nosso próprio. pensando nisso, até entendo porque o Catolicismo é contra manipulação genética e essas merdas: se D'us (tomando emprestado uma frase espírita o definindo como "a inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas", e mais outra escolástica medieval, "só em D'us há coincidência de ação e pensamento") deu origem a nós, à vida em geral e se faz presente nas leis não só terrestres como na organização geral do Universo, é certo que reagirá, talvez violentamente, a essas nossas mudanças estruturais no microcosmos, que está intriscecamente relacionado ao macrocosmos, já diziam os alquimistas... principalmente porque não temos puta de idéia do lugar ao qual essas mudanças nos vão levar daqui a anos e anos.
e foi engraçado ter um desdobramento tão amplo da diferença de mentalidades só por ouvir a Nina dizendo, umas horas depois, - não, tira esse óculos, tem que arejar!
(sumi, não tirei um tempo pra escrever mais nada aqui, e nem devia estar escrevendo isto tudo de madrugada, ainda não dormi e aula daqui a nada, muitas horas de deleite em pesquisa de história da arte, muitos momentos de angústia na hora dos trabalhos práticos. fim de semestre, tava louca pra pegar no meu Egyptian Grammar que chegou semana passada mas até julho não há tempo, decidi que vou fazer um curso de teologia ou estudos bíblicos daqui a uns meses, nem que seja pelo correio, porque há um tempo reparei que tenho uma paixão enorme por arte sacra, adoro as simbologias cristãs [não só, a geometria árabe também é fantástica] e até minha historinha infantil que devia ser besta e só uma desculpa para novas propostas de diagramação acabou virando uma fábula complexa sobre a necessidade primitiva de chamar divino tudo aquilo que não somos capazes de compreender, e a nossa própria projeção na divindade como o modelo ideal que nunca conseguiremos alcançar, do mesmo jeito que se considera Mozart um gênio fora do comum, com uma centelha especial, só pra nos livrarmos da culpa e tortura de saber que nunca seremos iguais a ele. mas aí já comecei com Nietzsche, a esta altura melhor é ir dormir. ou não, que se calhar nunca mais acordo pra aula.)